É importante que todos os médicos de família e comunidade (MFC) do Espírito Santo leiam atentamente a Carta de Brasília 2018, publicada nos canais oficiais da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
Este documento foi o produto final de três intensos dias de trabalho que reuniu MFCs e outros profissionais de saúde em Brasília entre os dias 14 e 16 de junho deste ano.
Dois destes dias foram dedicados ao Fórum Nacional de Atenção Primária à Saúde, que discutiu a temática mais relevante em Atenção Primária à Saúde do ano: “30 anos de SUS e 40 anos de Alma-Ata”.
No terceiro dia, foi realizada a Assembleia Geral da SBMFC, quando uma nova diretoria tomou posse e foram conduzidos os trabalhos de revisão do estatuto da sociedade e a revisão da Carta de Brasília 2018, escrita a muitas mãos nos grupos de trabalho (GT) do dia anterior.
O primeiro dia de fórum foi dedicado a uma ampla discussão sobre os rumos da Atenção Primária à Saúde (APS) e da Medicina de Família e Comunidade no Brasil, bem como um debate sobre o que podemos esperar da tão falada revisão da Declaração de Alma-Ata.
De forma muito breve, as palestras contribuíram para uma ampla visão dos avanços e desafios que enfrentamos na construção de uma APS e um sistema de saúde de qualidade no país.
Helvécio Miranda, militante histórico da Reforma Sanitária e atual membro do governo de MG, fez um apanhado histórico da construção do SUS e seus dilemas atuais, sendo importante destacar sua análise de que as dificuldades de articulação dos distintos entes federativos na construção de sistemas integrados e resolutivos de saúde tiveram origem na própria forma de negociação do pacto federativo que resultou na Constituição de 1988.
Claunara Mendonça, importante figura da MFC brasileira, tendo ocupado diversos cargos de gestão e docência, trouxe um apanhado de evidências do impacto positivo que a expansão da APS no país trouxe para a população, oferecendo um breve panorama dos conflitos ideológicos que ocorrem na construção da revisão de Alma-Ata. De sua fala, complementada pela de outros palestrantes do dia, fica a dúvida de qual será a resolução final da OMS sobre a presença do médico nas equipes multiprofissionais que atuam na APS e qual o perfil de formação desejado para este profissional.
Gestores com formação em MFC marcaram presença neste dia. Palestraram os atuais secretários de saúde do Distrito Federal (Humberto Fonseca) e de Porto Alegre/RS (Erno Harzheim) e o ex-secretário de saúde do Rio de Janeiro (Daniel Soranz, atualmente pesquisador da Fiocruz) responsável pela forte expansão de APS e grande valorização da MFC observada naquela cidade nos últimos anos. É possível verificar a ênfase nos atributos da APS enunciados por Barbara Starfield nestas gestões e uma clara intenção de valorização da MFC como eixos do fortalecimento dos sistemas locais de saúde.
Maria Inez Padula, ex-presidente da SBMFC e professora da UERJ, frisou o caráter superficial dos relatórios iniciais que embasarão a revisão de Alma-Ata, mostrando o risco de que a MFC não apareça de forma explícita como horizonte de formação do médico que atuará nas equipes de saúde da APS, o que repetiria erros históricos cometidos em diversos momentos e documentos dos organismos multilaterais como a OMS.
Patrícia Chueiri, MFC professora da UFRGS e diretora da SBMFC, por sua vez, fez um ótimo apanhado dos desafios que estão postos para a APS no país, apontando para alguns dos aspectos que devem estar no horizonte de qualificação da Estratégia de Saúde da Família com vistas à garantia do acesso a cuidados resolutivos e abrangentes.
E, por fim, Thiago Trindade, ainda presidente da SBMFC na ocasião, pontuou também os avanços e desafios para a qualificação da APS e valorização da MFC no país. Como sempre, fez questão de acertadamente frisar as recomendações da SBMFC para a regulação médica no Brasil, sendo a reserva de aproximadamente 40% das vagas de residência para MFC uma delas.
O segundo dia foi dedicado aos GTs, que tinham o objetivo de pensar estratégias para o novo ciclo de gestão da SBMFC a partir de cinco eixos: Política Nacional de Atenção Básica: financiamento, modelos de atenção e contratualização; Produção Científica em APS/MFC; Docência em Graduação, Preceptoria de Residência Médica e Educação Continuada; Revisão do documento de Alma Ata; e a Importância da MFC para estruturação da APS brasileira.
O fruto do trabalho destes GTs pode ser visto na Carta de Brasília 2018 com detalhes.
Por fim, vale a pena destacar a emoção que tomou conta da despedida de Thiago Trindade da presidência da SBMFC, passando o bastão para Daniel Knupp, que liderará a nova diretoria pelos próximos dois anos. Sua prestação de contas das ações da SBMFC nos últimos anos mostrou de maneira eficiente como a especialidade cresceu no Brasil nos últimos anos. Impressiona a quantidade e a qualidade das ações nas mais diversas frentes de trabalho que são levadas a termo por vários MFCs de todo o território nacional.
Do evento, fica então a mensagem de que a APS trouxe resultados promissores para a saúde da população brasileira, como demonstram as inúmeras evidências científicas de qualidade já publicadas e que o posicionamento que anuncia a MFC como a especialidade do médico na APS deve ser reforçado.
A Carta de Brasília 2018 chega em boa hora. Em ano de eleições, pode servir de eixo condutor de debates junto aos mais diversos atores que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.
No mais, parabéns à Medicina de Família e Comunidade.